INSPIRAÇÕES DO POETA

2 de fev. de 2008

Sarjeta

Há um homem esgueirando-se na sarjeta.
Vivendo de lixo e piedade.
Desafiando a vergonha dos homens com trapos e resignação.
O rosto inexato acusa um longo exílio de sentimentos.
Afetos subjugados.
No olhar, a tradução perfeita da dimensão da noite.
Sombras e sussurros!
A mente abriga a insanidade necessária,
Que o remete aos sonhos.
Um turbilhão de fúria e solidão, o faz delirar.
Não há vestígios de passado. Biografia.
Somente um livro de páginas em branco ilustra seu peito.
Penso que poderia ter sido humano.
Sei lá, quem se importa?

Há um homem com a alma em farrapos.
Desgraçado na vicissitude do caminho.
Embriagado de dúvidas, como um barco a deriva em águas turvas.
Cheirando éter. Entorpecendo os sentidos até o vértice da tortura mental.
Trançando os passos em meio à escória:
Meretrizes, pederastas, gigolôs, ladrões...
Um colecionador de desprezos.
Apenas, um monte de vísceras e ossos putrefatos.
E daí, quem se importa?

Quem se comove ao ver suas mãos fétidas e pedintes
Ou sua falta de nome?
Quem se abala ao passar por seu corpo inexato, sobre a sarjeta fria, e
consumido de intolerância.
Quem considera, talvez,
A tragédia por trás daqueles olhos embotados?
Quem imagina os anseios que um dia existiram
No peito, e hoje, mínguam de tuberculose e saudade?
Quem paralisa seu tempo a ouvir-lhe, quem sabe,
Histórias soterradas?

Há um homem vagando em meio aos edifícios.
Há um homem sem trajes civilizados, sem convicções.
Há um homem débil, silenciando sua existência.
Há um homem atravancando a passagem, enfeando a rua,
acenando nossa culpa.
Há um homem morrendo de medo, vergonha, dor e descaso.
Há um homem morrendo!
Sei lá, quem se importa?

Um comentário:

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom