INSPIRAÇÕES DO POETA

12 de jan. de 2008

Trapézio

No meio da fumaça surge a pequena bailarina.
Pé ante pé, rodopia seu corpo franzino até o centro da arena.
Sorri um sorriso desafiador e parte em direção ao trapézio.
Enquanto ela sobe a escada estreita e móvel, meus olhos atropelam seus movimentos precisos e chegam primeiro na plataforma.
Sinto um frenesi percorrer toda a espinha.
Do chão até o beiral, a distância parece-me infinita e exaustiva.
Silêncios mórbidos invadem as gargantas dos espectadores.
Sob a lona colorida o ar rarefeito asfixia os populares.
O medo invade os segundos que precedem, quem sabe, o início do fim.
As luzes se apagam.
Como flecha desgovernada, o canhão refletor atinge o rosto inexato da bailarina.
Sinto-me narcotizada.
Vejo em sua face, meu rosto de criança.
Os mesmos olhos aventureiros repletos de excitação e ânsia.
Como uma embarcação, a infância atrevida surge e aporta no presente.
No convés, a inocência da absoluta ignorância dança a valsa feliz.
Deixo-me levar pela febre dos sonhos e tomo como minha essa aventura aguerrida.
Entrelaço minhas mãos as mãos da artista.
Juntas, rompemos à névoa que ameaça o abismo.
Deslizando os pés e a vida sobre o arame avassalador, sinto minha humanidade cheia de alma, de ossos e civilizações.
Compartilho com o universo, nesse temeroso hiato, toda minha loucura.
No sombrio trajeto, o sentido da existência causa-me indiferença.
Não quero entender o significado das coisas, apenas senti-las com alma!
Ouço as vozes dos tambores que anunciam o grand finale.
Todas as consciências abrem suas portas para o real.
Fim do ato!
Os instantes, antes suspensos volatilizam-se.
Agora, os movimentos dos relógios retomam suas cotidianas jornadas.
No labirinto da memória, minha criança assume seu lugar ostentando o sonho que tanto sonhara.
Ora despejado de aplausos, o trapézio continuará a existir.
Impregnado de olhos arregalados e ilusões infantis.
Cheio de morte e de vida, como são as aspirações.
Como continuará a existir, no meu peito predestinado, a pequenina bailarina audaz.
O espetáculo continua!
Nas ruas da minha vida confessa.

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