INSPIRAÇÕES DO POETA

12 de jan. de 2008

Apenas um olhar

Havia um menino de olhos sem vida.
De pele negra e árida, sem suspeitar carinhos.
De ossos proeminentes, que lhe perfuravam a pouca carne ressentida.
Órfão de pais, de infância, de identidade.
Quase sem passado e sem nenhum futuro.
Sem correr no tempo da felicidade.
Sem a pipa dançando as canções do vento.
Sem as frutas roubadas do pequeno pomar.
Sem lousa, giz, lápis ou caderno.
Sem dever de casa, sem casa.

Havia um menino de olhos sem vida.
Sem vontade de crescer, como adivinhasse não poder.
Amargando a terra esquecida, dizimada pela dor inata.
Um lugar sem Deus, que cospe cadáveres por todo o chão.
Chão revolvido de tuberculose e malária,
Onde pequeninos pés sustentam corpos esquálidos.
Um mundo segregado de todos os mundos
E de todas as aspirações cotidianas.
Um mundo da AIDS – serpente a gotejar veneno sobre as vísceras humanas.
A mão satânica que estrangula o amor.

Havia um menino pedindo socorro.
Sem deflagrar um grito, sem acenar uma só lágrima.
Desonrado, desnudo, desamparado.
Sem os girassóis da juventude ávidos de luz.
Minando as forças sobre um deserto de iniqüidade.
Aprisionado no cárcere do descaso,
Sem entoar lamentos.
Apenas um olhar de olhos que são tristes,
Como se neles, só existissem a tristeza de lá.
Como quem quer abreviar a vida e renascer ao largo de coisas possíveis.

Havia um anjo negro,
Como tantos outros anjos negros,
Sem asas pra voar e alcançar outras direções.
Um anjo proscrito do céu.
Refugiado no inferno.
Embalado no berço da miséria absoluta e pungente.
Sem fúria e queixumes.
Apenas um olhar de olhos que são tristes,
Como se neles, só existissem a tristeza de lá.
Havia um menino! Hoje, não há.

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