INSPIRAÇÕES DO POETA

23 de jun. de 2011

ALFABETO DAS DESGRAÇAS - Letra L - LITERAL



Bairro de Copacabana, a noite, de pernas pro alto,
O asfalto range ainda quente de lambidas solares.
Gatos sonsos de todas as cores com peles pardas
Ronronam nas ruas instintos cínicos e milenares.

Os feios, em tristezas sublimes, jantam e trepam
Com amor romântico, com desvelo do próprio afago.
Amam com tamanha devoção, melancólicos miseráveis!
Como bebessem a esmola dada até o último trago.

A moça miúda com escroto e pau esmagados na calcinha
Lamenta bege a grana micha do único michê abocanhado
Pobre moça seca! Quem lhe trocou a alma antes de nascer?
Quem lhe roubou o ventre e a deixou corpo estranhado?

Tenho dó! Tenho dó! Tenho dó!

Entro no carro, rota nula, vago horas, olhar mal humorado,
Mas dirigir economiza o cérebro, não penso! Denso! Paro!

A avenida é atlântica, ampla e transgressora, ela me dói.
Tantas luzes gloriosas sobre gente em porres homéricos,
Estômagos cheios de escombros até o coração interditado.
Não sabem suas transparências, mas os vejo cadavéricos.

Olhos caídos, os solitários conversam com guardanapos,
Códigos de tinta, confissões escuras sobre o branco papel.
Seriam namorados delicados, se fossem apenas mortais,
Mas são deuses de guerras com dedos no gatilho infiel.


A madrugada é depravada e produz som bizarro, líquido.
Com boca turbulenta, o mar violenta a areia pretendida.
Há um mundo bêbado, no hiato dos coitos, que ejacula
Sobre a lente do poeta seu fel, no estreito beco sem saída.

E o poeta é nó! É dó! É só!

Subitamente, o dia levanta indiferente a morte da noite, com urgência e gás.
Preciso dormir minha estupidez, enquanto na orla, pés caminham em paz.

13 comentários:

Dilmar Gomes disse...

Amiga Ira, estou aqui para curtir mais um excelente poema do teu alfabeto.
Um grande abraço. Tenha uma boa noite.

Carolina disse...

A noite é espessa e todos nós em seu manto escuro ... são tantas coisas estranhas!
É um momento sugestivo e original.
Bravo Ira, muy bueno!
Besinhos

♪ Sil disse...

Subitamente, o dia levanta indiferente a morte da noite, com urgência e gás.
Preciso dormir minha estupidez.

Ira, realmente o dia levanta indiferente do que foi ontem, do que vimos ontem, do que fomos ontem.
O dia levanta, e eu tantas vezes tbm preciso dormir minha estupidez!

Letra L.

Deus meu, até a última eu jé morri aqui.

Você é perfeita amada, de A a Z.

Déjà Vu disse...

O poeta é só o poeta e a face que cria que descobre!
Saudade
Beijos

Anônimo disse...

IRA!!!!
Que saudade desse teu ímpeto, dessa força mágica e telúrica que vc deixa transbordar em palavras do teu coração intenso e rubro.
Que maravilha de poema. Só vc, minha mestra, pode me ensinar com que letras se escreve as emoções.
Como já disse, saudades de vc.
To voltando... aos poucos, mas to.
Beijokas, minha querida.

PS: c tá linda de cabelo curto.

Anônimo disse...

Versos de visceral existencialismo. Gosto, gosto muito. Mas é forte...

CaFoFo online@ disse...

É só mesmo o poeta para dar vivacidade ao literal das palavras, como você fez aqui.

Jorge Pimenta disse...

querida ira,
o visualismo desta série é verdadeiramente inquietante. não, não vejo aqui um poema; vejo o próprio homem com todas as suas debilidades e imperfeições. como ele só, afinal.
esta alegoria chega a atingir dramatismo no reconhecimento metonímico desta verdade no olhar sobre a jovem a quem roubaram a alma: "Quem lhe trocou a alma antes de nascer?
Quem lhe roubou o ventre e a deixou corpo estranhado?"
brilhante!
outro beijo nas mãos!

carmen silvia presotto disse...

Bom caminhar com teu versos, bom caminhar de poetas...que Drummond siga nos iluminando os passos.

Beijos,

Carmen.

Unknown disse...

Copacabana me engana, eu não resisto


beijo

Antonio José Rodrigues disse...

No "The End" da história, Ira, estamos todos no mesmo "Titanic". Beijos

Marcia M disse...

Como esta querida,vim te ler e deixar um beijo!

Sergio disse...

Copacabana está nua.

Tanto em strip exibicionista de Cicciolina em pole dance, quanto na-qu-ela faz, exibida, envergonhada da própria beleza e luxúria, à sóis diante do espelho.

Mais do que "prazer em conhecer" arrisco que até o Drummond, experimentou algo inédito, tipo uma ereção de bronze.