O dia nasceu frio e melancólico. Acho que o mais frio e melancólico do ano. Normalmente, meu humor o receberia com total cumplicidade. Vestiria um agasalho, uma cara de poucos amigos e sairia tentando levar a vida.
Só que deu saudade da Lili. Saudade do tempo da amizade. Tempo, onde os olhares atestam parcerias autênticas. Não dava pra ser infeliz!
Subitamente, meu coração entra na Apoteose e cai na folia. Folia que a gente fazia naquela Copacabana. Que saudade contente!
Essa saudade é pra você Lili.
Que foi morar tão longe. Longe dos nossos segredos, dos nossos medos, da nossa juventude. Longe da província chamada Bairro Peixoto, onde guardávamos nossos afetos e a vida caminhava tal e qual a gente queria. Era a nossa fé.
Fazíamos da veterinária do Marcelo nosso quartel general. Lá combinávamos estratégias, traçávamos planos, suspirávamos anseios femininos e forjávamos amores eternos.
Essa saudade é pra você Lili, que não conta mais histórias recém vividas, que não encontro mais nos bares dividindo cerveja e fé, que não bate mais lá em casa sonhando miudezas, que não mais surge nas madrugadas pagãs, que não dança mais o ritmo frenético na pista lotada do Mariozim, que não enxuga mais meus olhos, que não me faz mais entender a fragilidade do viver exibindo sua tragédia, que não mais se envergonha das chagas tatuadas por todo o corpo, que não mais amaldiçoa o amor (único) que a cobriu de enfermidade e vergonha, que não mais se desespera em fúria e indignação, que não mais teme pelo fruto nascido com HIV, que não mais acalenta na suavidade da fronha suas aspirações, que não mais esboça sorrisos ou prantos, que não mais luta corajosamente por um pouco de vida, que não mais diz: - Sou feliz!
Essa saudade é pra você Lili, que foi morar tão longe, muito longe daqui.
E se por uma forma abstrata qualquer, você puder me ouvir. Saiba que ainda estamos por aí. No tempo da amizade. Essa é pra você, minha amiga de sempre Lili.
Lili morreu aos 27 anos. Contraiu AIDS fazendo sexo com o marido. Começou a namorá-lo aos 16 anos.
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