INSPIRAÇÕES DO POETA

15 de jun. de 2009

O príncipe e o sapo

Tinha acabado de sair de casa. Na bolsa gigantesca, a interminável lista de tarefas que deveria dissecar no dia.
Aguardava ansiosa, a aparição de um taxi.
Olhava o relógio de pulso centenas de vezes por segundo, como se fosse possível abreviar o tempo. Enquanto “o seu táxi não vem" falava com meus botões: Cadê aquele homem tão sonhado?
Aquele homem da infância. Formado em Harvard , PH em sei lá o que, que orquestra todos os talheres com maestria, que conhece os índices econômicos mundiais, que declama Éluard, Duclós e Camões, que é politicamente correto? O protótipo de homem “príncipe encantado”. Aquele que amacia o ego, que dá status, que faz qualquer mulher sentir-se primeira-dama.
Com um homem desses, a essa altura, não estaria me descabelando em perder a hora do analista, que atrasaria toda minha agenda louca. O cliente, o açougue, o colégio do filho, a última liquidação. Mas convenhamos, porque não descabelar?
Porque não sentir a brisa da vida surpreendendo a cada instante.
Foi assim, que do nada, me apareceu um mendigo a carregar sua amada em um carrinho improvisado de madeira, lata e toda sucata do mundo. Um homem de vestes rasgadas, encarquilhado pelo castigo do sol, sem eira nem beira, sem CPF, PIS, FGTS. Identidade: rua! Mas, um verdadeiro rei.
Lá ia ele empurrando sua Guinevere com altivez, como se a carregasse no lombo de um cavalo branco. E o que mais me impressionara, era sua delicadeza. O cuidado em preserva-la dos olhares reticentes, do nojo dos fidalgos.
Em seus olhos havia a certeza de que ela precisava dele, e isso, o transformava no ser mais importante do universo. Havia poesia e amor, que até Deus duvida!
Ela, em seu altar mambembe, se fazia bonita e honrada. Enfeitava-se vaidosa de rosas murchas e céu. Fitava seu homem, como se reverenciasse o sol. E nada mais era tão precioso, que aquele seu cúmplice e o lar de caixote.
A verdade dos dois era um chute na cara.
Enquanto essa sociedade hipócrita insiste em se esbarrar em culturas fugazes, em estimular exacerbadamente sexo e poder, em criar filhos sem lares, em viver poderes podres, os dois amantes se amavam e ainda, provavelmente se amam.
Só sei que parei de olhar as horas, respirei fundo e deletei o tal príncipe da memótia imposta.
Porque não nos ensinam a gostar de sapos?
E eu quero é mais, o rei dos trapos. Eu quero quem sabe amar.

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