INSPIRAÇÕES DO POETA

31 de out. de 2010

Da Lua





Minha tristeza é interna, sem platéia, por isso, sempre que o nível suportável de solitude ultrapassa, me derramo em palavras numa enchente de sentimentos não dolorosos mas incômodos. 

Minhas águas crescem e invadem o pequeno escritório onde me guardo de coisas que assustadoramente não tolero e temo. É nesse lugar oceânico que meu íntimo perde a cerimônia e nada nu em palavráguas

Águas versadas ou não, que saem arrastando tudo, nessa correnteza voraz da mão que não entrelaçada a minha, do peito que não veio ao encontro da minha cabeça bagunçada, do olhar salvaguarda que não se pôs em oferta sobre minha alma, mas eu escapo sempre, ainda em exaustão, dessa enxurrada turva, do avesso que é ser só.

Não são nada fáceis esses momentos confessos e tão despidos, que às vezes me pego atrás de algum objeto feliz na tentativa de mascarar a crueza, porém ela vence, ela sou eu, assim entrego-me.
Jamais pretendi o vazio e tê-lo cansa o pensamento, mas luto com lápis, papéis e idéias aéreas. Mergulho no ar com asas fortes e risco desenhos possíveis de ser tudo. Renasço, diariamente, nessa metamorfose humana, com outras caras, outros rabiscos e me faço riso.

Sou uma mulher fragmentada, cheia de inteiros, minha alegria é externa, às vezes circula por dentro, como um pequeno sol. Não! A luz não se acomoda na boca e vai além, aos olhos. Aquece-me com liberdade e clareia minha humanidade com raios de quietude. Meus órgãos submetem-se ao encantamento e o coração reage ao toque.

Que eu seja ingênua nesse ensaio de viver e que nunca perca a mania de acreditar no invisível! Eis minha suplica ao Deus que mora em mim, eu que em tantos momentos não me vejo, mas me acredito.

Gosto de gente e de tocá-las com gentilezas e amor, que sejam entendidas como são, pois sem gestos libertários somos e seremos uma tragédia de carnes e ossos. Todos apodrecendo no tempo efêmero e é uma cretinice esse desperdício de emoções, quando se pode bebê-las até a embriaguês.

Sou essa loba silenciosa e cheia de garras, na solidão da montanha, mas não me escondo o tempo todo. Desço e rondo a cidade quando há fome. Lambuzo-me de ruídos, luzes e espíritos, depois volto ao cume e lanço versos à lua. 

Não caço afetos, porque já expliquei demais essa inquietação, agora me deixo ao acaso, ao laço de um valente caçador. 

Você vai pensar: Que coração triste tem o poeta! Mera conjetura, pois há uma tristeza que cura e uma alegria que envenena. Sou as duas e outras, e mais, o reverso, o verso, o que não se explica... Sou muitas! Sou loba sob lua, fêmea, de fases.

18 comentários:

AC disse...

"Sou essa loba silenciosa e cheia de garras, na solidão da montanha, mas não me escondo. Desço e rondo a cidade quando há fome. Lambuzo-me de ruídos, luzes e espíritos, depois volto ao cume e lanço versos pra lua."
Para lá do primeiro impacto da imagem, há uma enorme dignidade naquilo que diz. Porque se assume por inteiro, expondo as suas convicções e as suas fraquezas, esgrimindo a sua liberdade. Mas, e deve saber isso melhor do que eu, essa liberdade costuma pagar um preço alto para se afirmar.

(Ira, gosto sempre de a ler)

Beijo :)

Jorge Pimenta disse...

querida ira,
deambulas, neste texto, pelo território esquivo da poesia e do que seja ser-se poeta. da face lunar ao mais inteiro dos sóis, vai apenas a certeza de que de cada um se colhe o todo, com ossos e tutano, numa saciedade apenas desejada, jamais conquistada. são as luzes e as sombras, querida amiga. se lhes juntarmos as viagens, seremos eternos jasões na certeza de que o velo de ouro existe (mesmo que apenas para além de cada um de nós).
um beijinho, poeta!
p.s. revi-me de tal forma neste texto, que caberia que nem fruto na boca, em tarde de verão, na apresentação do "viagens de luz e sombra".:)
beijo reiterado!

Fred Caju disse...

Que belo texto Ira. Nele vejo todas as suas marcas. Que bom é o anoitecer que traz a lua. Beijos, querida!

Franck disse...

Seja loba, fêmea, poeta, e, venha, com fases como a lua, ou não, nós proporcioanr textos como esse... Sou suspeito pra falar de seus escrios, pq eles mexem muito comigo!
Bjs*

♪ Sil disse...

Ira,

Incrivel, como não leio seus textos. Não...não leio.

Devoro, bebo, como, absorvo, transpiro, me embriago, me anestesio, me visto, me dispo...
Posso não saber explicar, com as minhas palavras, o quanto me encontro nas suas palavras, mas me encontro muitoooooo.

--------------------------------
Eu mesma, que em tantos momentos não me vejo, mas me acredito.
-------------------------------

Como se vc pudesse ler a alma da gente.

pois há uma tristeza que cura e uma alegria que envenena..

Sou tão assim, Ira, tão assim...

Eu amooooo seus escritos, e de coração? Amoooo você, minha amiga!


Um beijo meu!

Fulvio Ribeiro disse...

Ira...
Não consigo me cansar de vir vir aqui, cada vez é uma sensação diferente. Porém sempre muito boa.
Ótimo feriadão.
Grande Abraço.

Carolina disse...

Ira,
Nós somos muitas mulheres em tempos diferentes. Às vezes temos a impressão de ter vivido muitas vidas e de todos nós. Ocasionalmente, esses fragmentos tentativa de sair.
Eu amo este poema como significado. Você é uma loba e uma grande mulher!

Kátia Nascimento disse...

Amei tudo isso!!! Em especial esse trecho: "Sou essa loba silenciosa e cheia de garras, na solidão da montanha, mas não me escondo. Desço e rondo a cidade quando há fome. Lambuzo-me de ruídos, luzes e espíritos, depois volto ao cume e lanço versos pra lua."

Ira não sei comentar muito bem, mas sei que seus textos me emocionam, isso eu sei.
Beijos queridona!!!

CANELAFINA disse...

Depois do vendaval da tarde domingueira esta maré de sensibilidade a nos encantar. Achei lindo o texto.
Um abração
Eduardo

Costea disse...

Poesia nasce da tristeza verdade. Que não é triste, pelo menos, uma vez que não é humano.

Rob Novak disse...

"Não caço afetos, porque já expliquei demais essa inquietação, agora me deixo ao acaso, ao laço de um valente caçador." E que esse caçador tenha a força e competência necessárias para domar uma loba que se banha em versos sob a luz do luar.

Lindo texto!

Bjs

Marcos de Sousa disse...

Adorei o texto.O poeta nada mais é que uma controvérsia que nem ele mesmo entende.


Seguindo... Quando puder, me faça uma visita: http://omundosobomeuolhar.blogspot.com/

Beijos

MOISÉS POETA disse...

que maravlha de texto...!
parabéns por ele !

um grande beijo pra voce !

Rosemildo Sales Furtado disse...

Oi Ira! Belo! Profundo e bastante consistente. Adorei.

Beijos e ótima semana pra ti.

Furtado.

Lila disse...

Queridíssima...
Assim somos...dançamos entre as fases da lua, nos mostramos e recuamos, mesmo recuando podemos ser alcançadas...somos inteiras em qqr momento, mesmo na nossa solidão. Nossos olhos, muitas vezes não vêem o que espelhamos, mas, acreditamos na nossa existência e em td que temos para compartilhar.
Amo.
Bjs meus !

Marcelo R. Rezende disse...

Iraaaaaaa,
isso que são lados, hein, minha diva?!

Essa solidão que você tem, mais a vida cheia que uma caneta pode te trazer é mais ou menos como a balancinha do quilíbrio, só com muito mais sentimento e menos certezas.

Adoro.

Beijo do filhote.
(Obrigado pelas palavras no meu último texto, nunca me esquecerei).

Otávio M. Silva disse...

oi Ira, Obrigado pela msg no meu blog, no texto q fiz sobre meu pai. E disculpe se ando meio sumido, mas eh q minha vida anda uma bagunça, juro que logo voltarei a visitar seu blog com mais frequencia e verei os poemas q dexei pra traz. Bju, Otavio.

Joop Zand disse...

Well done Ira..... i like it very much.

Greetings, Joop