INSPIRAÇÕES DO POETA

19 de set. de 2011

ALFABETO DA DESGRAÇAS - Letra T - TESTEMUNHA




A casa é de tédio, cabisbaixa e fria
Corro as paredes despidas com o coração que me sobrou
Despovoado!
Os azulejos descoloridos cansam meus olhos adversários
Um baila, o outro sofre de fuga
E ambas as pálpebras prolongam insônias
Abuso da Berger, de boa convivência, com o peso da memória (o último e dissimulado vagão do trem)
Meu rosto vai se apagando
Os móveis também
Não existe qualquer convidado a mesa, todos abandonaram as taças de misérias, as minhas, que servi ingenuamente, como se pudesse dividir o vinho com alguém
Converto-as em arte e suporto melhor minha inutilidade, as escolhas irretratáveis, essa incapacidade juvenil de sustentar caminhos exteriores
Não faz mal que minha fala pareça qualquer coisa que nunca é
Tenho voz de não andar no tempo dos ouvidos, sempre a preferir intuições cardíacas, álibis com loucuras do tamanho dos meus planos e jamais orelhas caducas
Meus dias foram cheios de existências impulsivas e acasos. A cada trajeto, fogos de artifício, após a exuberância do fogo, fumaça e indiferença do céu, com isso entendi que jamais haveria respostas, assim teria que continuar vivendo com perguntas intocáveis como as almas, mas a ignorância ainda era a melhor escolha e fui viver os dias, feito uma criança na véspera do natal
Não, não sou feliz ou melancólica, não tenho pretensões com estados fixos. Sou dada as circunstâncias. Sou apenas outra coisa solta, que não cabe na linguagem dura, uma idéia embriagada frente aos discursos retos
Tanto me perdi por dentro, além, entre estações e quereres, sempre a procura de me achar nos poemas feitos de mim, nos fingidos de mim.
E hoje, muito mais condescendente, ainda me cato nos versos meus, nos que não fiz e nas intensas horas de dor
Não uma dor óbvia, inútil e covarde, mas na mais pungente de todas, a da privação
Ausência do imprescindível
Ah, como me reconhecer dentro de um corpo a morrer, eu que sou apenas uma menina de cinqüenta anos esperando nascer a manhã natalina e desembrulhar meu presente?
E eu me pergunto (mais uma pergunta sem resposta): - Onde estará minha alma?
É que as presenças temporárias das coisas nunca me doeram tanto, quanto às presenças definitivas do nada
Essas desbotaram meu sangue e apagaram meu nome


Infelizmente continuo sem acesso aos comentários dos amigos, não todos, mas a maioria. Quem não se importar de deixar seu e-mail, eu comentarei por lá, enquanto não resolvo o problema de acessibilidade, bjão
Meu e-mail: irabuscacio@hotmail.com

4 comentários:

Suzana Guimarães disse...

Ira,

Desabafo em sussurros, nas entrelinhas que dançam com o óbvio.

Às vezes, a alma afasta-se porque o corpo pesa mais que ela. Mas ela volta, retorna sempre, mesmo que a percamos de vista, mesmo que queiramos perdê-la de vista.

Beijos,

Um forte abraço também!

Suzana/LILY

Anônimo disse...

Você Ira, escreves muito bem. Fico atônito ao relembrar que não quisestes escrever comigo... Nada a ver, abraço fraterno, HR.

Dilmar Gomes disse...

Amiga Ira, estou passando por aqui para deixar o meu abraço e o meu carinho, festejando que estou a tua volta às postagens.
Tenhas uma linda semana.

Jorge Pimenta disse...

há momentos em que a casa se torna inóspita, vazia, desabitada, como aquela manhã de tempestade que engole os navios enganando a memória do que um dia foram. o lado de dentro é assim mesmo: ora mel, ora veneno. mas é lá que se esconde o antídoto, também.
um beijo, doce ira!
p.s. a ilustração encaixa no texto de modo admirável!