Aridez

Sangue derramado, anos a fio.
Vitimando anjos.
Irrigando o jardim de plantas carnívoras.
Minha sentença humana!
Que amputou a santa,
Que escancarou a porta do inferno
E sossegou os homens,
Os que deitaram nas escadarias sujas,
Os que lavaram seus sexos com memórias,
Enquanto minha alma tecia muros
E os muros tinham almas do tamanho da ausência.
Meu ventre, palácio dos mendigos e querubins,
Não inibia o canto dos pássaros,
Pois guardava a ciência dos vôos.
Cobriram-me de perdões alguns poucos inocentes,
Por eles doei as vãs promessas,
Sem arrependimentos.
Aos outros, dissimulados,
Os ofendi com o que há de mais cruel.
Atirei-lhes, nas carnes e vidas, minha juventude.
Beleza movediça.
Inexaurível vestimenta da fome.
Migalhas, migalhas!
Todos os pombos sobrevivem de miudezas
E sob suas asas os piolhos proliferam,
E seus corpos bíblicos disfarçam mazelas,
Mas ainda assim, não desatam seus nós.
Eu ocultei dos meus olhos as amarras do peito
E meu sangue descia.
Eu fui escândalo, só pra me apunhalar,
E meu sangue descia.
Amei todas as mentiras, como uma alegria irritante,
E meu sangue descia,
Agora durmo sob a infindável noite árida.
Nos lençóis, a morte sem hemorragia.
Meu ventre descansa em paz.