INSPIRAÇÕES DO POETA

11 de nov. de 2010

Cara ou Coroa




Ah, lá estava ela outra vez!
Os seios debruçados na moldura da janela.
E que seios! Largos, fartos, exatos e confortavelmente esparramados no decote.
Amparava com os bicos intumescidos, uma ou outra mecha caída dos cabelos vermelhos.
Especulava curioso:
- Seriam vermelhos, também, seus pentelhos?
Aquela visão diária de olhos blasé fingia não entender o martírio que me causava dentro da calça apertada.
Caminhava constrangido diante das beatas, que torciam os narizes e arrastavam pernas tatuadas por varizes, até o confessionário.
Lá, as pudicas ordinárias vomitavam pecados sórdidos expurgando suas culpas ajoelhadas diante do altar.
Deus, lá estava ela! Visão lunar.
Com boca grená e entreaberta, como quem quer um sorvete ou um falo. Vez ou outra deslizava a língua sobre os lábios carnudos e em seguida fechava-os.
Fascinado e febril. Imaginava sua bunda estufada, a cintura afunilada, as curvas arredondadas. Podia sentir o perfume de sua coisinha úmida e quente. Um tesouro! Um continente a desbravar.
Não suportava imaginar tudo aquilo escondido atrás de uma parede matando-me de fome e sede.
Ah, pequenina sereia! Murmurava com o olhar guloso e raso:
- Porque não me deixas ver-te inteira?
Vem e acaba com essa desgraceira e desmantelo, com todas as bronhas que te ofereço em noites solitárias e sem apreço.
Juro, mulher, que te amo! No entanto não me deixas ver-te inteira.
Ah, lá estava ela!
Na tarde sombria, mais bela do que nunca, me sorria. Um sorriso regateiro, permissível e trapaceiro.
Finalmente, a teria em meus braços, a devoraria em pedaços: a boca, as coxas, os seios.
- E os pentelhos seriam vermelhos?
Arrebatado por ânsia ardente pensei: - De hoje não passa essa devassa!
Deito-me com ela! Faço um rebuceteio e desnudo a flor que esconde entre as pernas.
Como um afoito adolescente invado-lhe, excitado, a casa, o quarto e o corpo imaginado. De repente, um desconforto, qual flor não havia, mas sim, a farsa do impostor.
Na desordem do corpo-a-corpo, a decepção, a descoberta da infeliz condição.
Tomado por surpresa pergunto o nome da tal princesa, que responde sutilmente, como eco de um tambor.
- meu nome é Agenor e o seu, meu amor?

12 comentários:

Rob Novak disse...

Acredite, nunca antes, em tão poucas linhas, algo atingiu o céu, lá ficou por instantes e, de repente, caiu por terra, estatelado ao chão...

Cinco páginas dessa narrativa, com certeza, seria a morte antes do ponto final... Só assim seria um final feliz :)

Bjs

poesia del cielo disse...

Surpresa....deixar a descoberta de tales inquietudes produce as vezes eses tipos de surpresas que mexen tudo.... vc ten uma manera de expresar muito clara y directa que quem lee fica atento de emocao... lindo

abracos
otima semana


saludos

Iram Matias disse...

Que decepção! Achei que fosse uma princesa e nao um príncipe... rssss

Muito sutil e de boa desenvoltura.
Adorei!

Beijo
Iram

Jorge Pimenta disse...

há perguntas que não devem ser feitas :)
beijinho, queridíssima amiga!

Machado de Carlos disse...

Incrível! Nem tudo que parece não é. E o que é não parece ser.
Sempre assim!

Suzana Guimarães disse...

Ótima narrativa!

Você me conduziu com rapidez e me deixou com muita curiosidade.

Consegui inclusive imaginar a "danada" com seus seios fartos e pentelhos vermelhos.

Adorei a parte das beatas de igreja.

Beijos!

Antonio José Rodrigues disse...

Pois é, Ira, na hora do vigário (vigarista) comer a hóstia "vermelha" consagrada, a surpresa do pecado colorido homoafetivo. Heterosbeijos

Marcelo R. Rezende disse...

Nossa, como eu ri.
Que delícia de texto, que poesia.
Amei esse trecho
"Com boca grená e entreaberta, como quem quer um sorvete ou um falo."

Pra você ver que não é o gênero que suscita o desejo, está além disso.

Diva pra vida, Ira.

Beijo do filhote.

Franck disse...

O que importa o nome? o sexo? a cara?... importa sim, viver os sentimentos, o fascínio, a obsessão...
Beijos!

Marcos de Sousa disse...

Adorei o texto e confesso que soltei um sorriso no final.

Beijos

Phivos Nicolaides disse...

Cara Coroa? temos o mesmo na língua grega. Pensamentos nteressantes.
Um Grande fim de semana Ira! Bjos achocolatados

s a u l o t a v e i r a disse...

Gatona, se estiver pelo Rio, tenta aparecer na Livraria Argumento, no Leblon, às 20h para o Lançamento de POSTIGOS, da Carmen.

Estarei lá com o Márcio (InterTextual), Patrícia (Dias genéricos) e outros amigos. Será um prazer.

Beijos.