INSPIRAÇÕES DO POETA

12 de jan. de 2011

Morte Adiada




Acordei predestinada a viver, mas muitas vezes esse viver me assusta, com suas truculências e alçapões aleijados, que súbito me mato, mesmo antes do crepúsculo. Mato-me antes da morte!
Do limbo observo as mãos que nesse meu tempo desertor, ainda assim, não abandonam as minhas e, tão somente por elas, só por elas abro a porta do inferno. Entro e volto!
Volto a ser esse coração que não presta, sem síntese, que ama desembestado e grita necessitado de abraços largos. Dedico-me a um destino que desconheço e sou, essencialmente, a pedra dura e mistério, da terra que surgi.
Acordei sem importância, mas obediente aos olhos e senti nos cílios o beijo acalorado do sol. Havia um tráfego de vozes vindo da janela que lembrava folhas de outono, mas tudo era verão e tão explícito na fronha suada e solitária, que desisti de inventar minha clandestinidade.
Precisava morrer, o essencial tempo desorganizado, diante da comoção fingida, mas como? Não sem antes beber o café amargo e fumar, mas não havia cigarros nem objeções.
Vesti-me simples, como funeral de indigente e desci em busca de cumprir o rito. Andei um pequeno trecho da rua Conde Bernadotte, até alcançar a banca de jornais. Comprei o cigarro e sorri cinicamente, pra nada e ninguém, apenas gesto inconsciente.
Pensei: O Leblon é definitivo e eu não, que sou vertigem e não cotidiano, quando não sou o que entendo; quando não vou aonde quero; quando sonho o que não acordo. Eu morro e o Leblon continua de fato e na poesia, não minha.
A mulher da banca de flores tinha dedos de pétalas, tal suavidade dos gestos. Era rosa e tocava margaridas e violetas com o mesmo zelo que tocava as de sua espécie. Impressionante o desvelo de quem ama o breve com sentimento eterno!
Ela era tão grande que nem me percebeu, ali morrendo, por sede. Envergonhei-me por pequenez, mas ainda existia, eu que só possuo essa linguagem medíocre, ainda existia com meu deserto vivo. Estava deserta e a florista também.
Subi os andares, até o nada, cheio de tudo. Não fumei, o café esfriou e deixei pra me matar depois, quando não houver mais flores.

25 comentários:

Antonio José Rodrigues disse...

Real, mágico, reflexivo, lógico, apaixonante e desperta uma curiosidade inquietante de se conhecer a poetisa. Ira, beijos

Dilmar Gomes disse...

Querida amiga, repetirei hoje aquilo que havia dito anteriormente, você é uma excelente escritora. Você tem bastante intimidade com a palavra.
Um grande abraço. Prometo voltar sempre.

Chris B. disse...

És fabulosa ao escrever!

Vi suas fotos ao lado e amo tatuagem.. achei linda as que tem no braço... poderias tirar uma foto mais próxima para podermos ver melhor, o que acha?

Um beijo amiga, tenha um lindo dia!

Unknown disse...

esses flagrantes do cotidiano são pura epifania,



beijo

Machado de Carlos disse...

Estava com saudades de você! Imagine se você morresse? – Que farei com a minha saudade? Ainda bem que a florista, toda cheia de zelo salvou a sua vida. Logo você que tem um zelo, todo especial com as palavras e com os versos! Tudo isso é brincadeira, pois sei que você não vai morrendo assim, sem pelo menos avisar, não é? (Risos!...)
Que bom que você visitou o meu cantinho!
Beijos!...

AC disse...

Caramba, Ira, você consegue harmonizar a mão e a contramão, e sempre chamando os bois pelos nomes.
Parabéns pela sua escrita de sentimentos autênticos, minha amiga!

Beijo :)

► JOTA ENE ◄ disse...

ººº
Que texto empolgante ...

Me desculpe, mas que vovó linda vc é... e a netinha tem a quem sair.

Bjooooooooo

Al Reiffer disse...

Gostei da linguagem poética do texto, bastante intensa. Abraços!

Unknown disse...

amiga sentido seu texto... suas letras fazen que cada una da mao da outra siga o curso de seus versos y acompanhemos seu texto ... amiga seu escrito e genial.... adorei...

saludos
otima semana
abracos de coracao

:.tossan® disse...

A capacidade da escrita está estampada neste brilhante e poético texto cheio de tudo. Beijo

Folhetim Cultural disse...

Olá lhe convido a visitar meu blog que de segunda a sexta trás notícias culturais. E no sábado agora trás minha coluna poética e uma homenagem a banda Roupa Nova.

Ass: Magno Oliveira
Folhetim Cultural

meus instantes e momentos disse...

se eu estivesse tomando um choppe ali no Desacato, ou na Academia poderia ver vc na florista. Mas vou começar a prestar mais atenção...
Bjs minha linda gosto de vir aqui
Maurizio

Fulvio Ribeiro disse...

Como é bom vir aqui...
Aqui não entendo por completo, porém sinto mais que mereço... E ai esta a beleza...!!!
Grande Abraço.

Cris França disse...

Ola Ira

como são complexas as pessoas quando as olhamos bem de perto

bjs

Iram Matias disse...

MATO-ME ANTES DA MORTE; PRA MIM FOI A MELHOR QUE JÁ OUVI. VOU SAIR REPETINDO POR AI: mato me antes da morte.
Vc é o máximo!

Um cheiro

José Sousa disse...

Olá amiga!
Lindo o seu blog, gostei do que ele contem e de sua forma.
Um beijão.

A.S. disse...

Ira,

As flores continuarão a existir, cada vez mais belas, enquanto houver alguém como tu que lhes Dê o carinho e a ternura de que precisam!
Este teu texto poético é lindo!!!

Beijos,
AL

♪ Sil disse...

Aiii amadaaaaa...

Juro, eu tenho taquicardia quando te leio.
Que simbiose é essa? Te ler, me lendo?
Ira, o cotidiano, o dia a dia massacrante, as vezes é assim.
Morrer, morrer, querendo mais vida.
Uma vida sem a morte do dia, da mesmice, do amanhecer que parece que não amanhece, e assim vai.
Mas sempre vão existir flores.
Tão lindas quanto essas, com que você sempre me presenteia.
Suas palavras, me são pétalas.

Eu adoroooooo você, gigantemente.

PS: Tuas fotos tão lindas.
Eta muié lindaaaaaaaaa sô!

Um beijooooo

VELOSO disse...

Deixa eu plantar algumas rosas no jardim! Lindo escrito e bem dito!

Jorge Pimenta disse...

querida ira,
parece que a nossa pena anda alinhada. a morte que se procura antes da própria morte é assim como o silêncio que se toca com os dedos da lava incandescente que não consegue incendiar. haverá o dia em que as flores se confundam com o túmulo?...
beijinho, poeta que arranca batimentos descompassados a uma máquina cansada!

Phivos Nicolaides disse...

Lindo! Bom final de semana. Beijos, Felipe

s a u l o t a v e i r a disse...

O que me chamou a atenção foi a rua do leblon. Conhecia há pouco tempo e a sensação é de ter tudo, mas ser nada, apenas um, mais um em toda a imensidão do Leblon.
É lindo lá estar, mas de lá não se faz parte.
Quando não há junção, há morte.

Beijos poeta.

carmen silvia presotto disse...

"...impressionante o desvelo de quem ama o breve com sentimento eterno!"

Esse não se mata, escreve, porque sabe que um dia o ponto final chega igual a todos.

Ira, estou chegando aqui através de Saulo, e tua prosa poética me invadiu... quando vou ao Rio ando pelos recantos de tuas imagens, sinto as flores, sinto as pessoas, sinto os instantes, sinto o amor dos cariocas... bom reviver isso em tua crônica, em teu sentir.

E é triste, muito triste quando toda a fúria de uma desigualdade social fica rotulada a um lugar, esteriotipada... digo isso, porque sou gaúcha e sei o quanto é triste os separatismos ideológicos, se fosse pela fúria dos brios disfarçados, hoje talvez não fosse uma poeta brasileira, nem teria uma filha cariocalegrense. E amo este país, do Norte ao Sul e amo minha gente da praia, ao centro, a serra, ao morro.

Triste! O ter está no voto e nunca no Ser.

Um beijo carinhoso e muito bom te ler, voltarei.

Carmen Silvia Presotto
www.vidraguas.com.br

carmen silvia presotto disse...

Falei, falei e não pedi: posso colocar esta crônica em Vidráguas e te ter lá?

Beijos

Carmen.

Anônimo disse...

Li em Vidráguas, Ira, e deixei um comentário lá.

Tuas palavras respingam canteiros floridos, cuja terra, no entanto se encontra ressecada.

O cinismo é uma erva daninha e está enraizado.

As tuas palavras me adubam.

Um beijo e viva!